O critério de escolha para a apresentação destes pequenos deleites que fazem da vida algo mais apreciável será bastante aleatório. A escolha deste primeiro, por exemplo, foi feita pelo simples fato de que foi o último que eu experimentei. Não será difícil, acredito eu, que alguns desses pequenos prazeres se sobreponham, digamos assim, afinal de contas não raro um prazer vem acompanhado por outros... Assim, não é difícil encontrarmos pares de prazeres que já se tornaram como um só, cristalizados como ações indissociáveis... Ouvir-cantar, beber-cheirar, e por aí vai; mais raro é encontrar juntos prazeres que justamente nos pareceriam, juntos, de gosto duvidoso, e que fazem deles tão próprios de seu admirador, tão únicos, tão apreciáveis. Talvez eu tenha a oportunidade de escrever aqui algum ou alguns deles, desde que isso se passe pela minha cabeça, e desde que, se passe pela minha cabeça, passe pelo meu pudor.
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Depois da refeição às vezes acontece disso. O vinho ajuda, mas hoje não tinhamos vinho em nossa mesa, só o prato com o que sobrara do nhoque já frio, um garrafa de dois litros de coca-cola, pela metade, e a salada. Nunca é diferente e o começo é sempre o mesmo: ?. Se as condições forem favoráveis (nunca sabemos ao certo quais são essas condições: um tempo seco ou chuvoso? ameno ou frio? será calor? levantar "com o pé direito"? seja como fôr, o vinho sempre ajuda...) a história começa. Não é fácil para mim entender onde exatamente se encontra o centro-nervoso dessa cena de prazer, isto é, o quê exatamente nela me agrada tanto. Tenho minhas suspeitas, e só. Tenho certeza, por exemplo, de que o centro dessa cena não pode ser alguém cuja vida eu já possa me dar ao luxo (absurdo, é desnecessário dizer) de dizer que "sim, conheço, muito bem, obrigado", como seria com minha mãe ou com minha irmã. Hoje foi com minha avó, outras vezes, com meu pai (minha família paterna mantém em torno de si certa atmosfera que não mais envolve minha família materna).
Quando essas histórias de tempos inexistentes são contadas para mim, falando de pessoas que nunca existiram e de acontecimentos de que jamais tiveram, em minha existência, data ou hora, revelando um pedaço de vida que tanto me fascina, meus olhos são tomados por alguma coisa brilhante. E é como se, por detrás daquela palavras que minh'avó nos contava à mesa, houvessem muitas outras subentendidas e escondidas, que ela preferia disfarçar com aquele sorriso dissimulado que todos poderiam pensar ser de saudade ou de empatia para com tempos idos, mas que, a mim não engana, são de quem cobre um pedaço, divertido e sujo, do passado.
O prazer tão grande que encontro nesses momentos é o de não estar só, e de ter a impressão de que é possível não ser todo o tempo um ser-sozinho. É como se nós fôssemos, ouvintes daquela história, capazes de entrever naquelas palavras um pouco do ser de outra pessoa, do narrador.
Os nomes das amigas, das mães das amigas, dos maridos, dos amantes, as cores dos olhos, os portes físicos, as ruas da cidade, os tempos da guerra, e um mundo que eu só entrevejo naquele sorriso.
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