quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Os nomes e as coisas

Uma definição de amor que passe dos seus quatro caracteres não pode ser boa.

(claro que pode, eu sei - e adoro páginas e mais páginas que se lançam sobre esse assunto, sem nunca, na verdade, chegarem a uma definição, propriamente dita. Que assim continue, diga-se de passagem. O que fazem essas incansáveis páginas, desses incansáveis autores em seus incansáveis esforços de mapeamento e esquadrinhamento - mas nem sempre racionalização, amém - é nós dar um lampejo da natureza de sua inegável manifestação. Mas verdade seja dita: quando olhos, bocas e corpos se encontram, nesse desejo desesperado de chegar ao outro e a si mesmo, as traças devoram todas leituras que já fizemos em nossas vidas e tudo se resume àquilo que sentimos: amor - seja um coice, uma falta de ar, dezenas de borboletas amarelas, ou o que for...)

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Hora do lobo

A hora do lobo, o instante da suspensão - vindas dos pontos mais profundos desse passado recente e de seu legado amargo amaram-me e atiram-me no meio de um espaço sempre estranho, mas não de todo desconhecido. Meu medo maior é que este vácuo seja na verdade eu-mesmo. Meu medo maior é que eu tenha erguido muralhas tão altas que transpô-las não caiba ao instante que amo.
Meu medo chama-se dúvida.

Mas como chamamos aquela força de transformação que opera das formas mais fantásticas e insondáveis, mesmo?

Ah, sim, lembrei...

domingo, 18 de novembro de 2012

Tudo junto agora

Ponho os meus olhos nos teus e sei que há no fundo de cada um de nós uma certeza de fim. Desde o começo soubemos disso, à nossa maneira silenciosa. Teus olhos deixam sempre um perfume de saudade embotados no fundo dos meus - não só essa saudade boba de amantes que se querem todo o tempo, mas uma saudade futura, de quando não sermos mais. E a gente faz disso uma refeição deliciosa. Hoje: deixar o sono pra mais tarde, quando não aguentarmos mais de cansaço - hoje: deixar o que fôr pra mais tarde, quando não pudermos mais.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Nossa estranha gramática

Aos beijos e olhares que silencio pela semana à dentro segue-se a folia dos meus carinhos de finais de semana. Mas numa língua em que as palavras não se dizem e cuja norma e gramática são o silêncio, algumas frases - quietas, mas nem sempre discretas - de certa tristeza são incontornáveis. E neste momento de exceção tudo que nós é comum (se é que isso existe, ironicamente conhecemo-las justamente através dos signos dessa língua misteriosa) se faz incerto para os meus olhos. O sono vem, a noite passa - na manhã seguinte sou calmaria. É que eu lembro que existem outras línguas que podem ser faladas, e nelas sou capaz de traduzir um pouco do que me foge na nossa línguas de loucos.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

é, amigo:

escrever no blog - sinal de que tem coisa. coisa velha, gosto novo. nada melhor.

sábado, 20 de outubro de 2012

sobre o meu peito: o trovão

Meus olhos fechados te acossam: fora de órbita, descabelada, diva, súbita. Seja meiga, seja objetiva, seja faca na manteiga. Toda a dureza incrível do meu coração feita em pedaços.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Manhã barata

Eu peço e canto me deixa em paz, por onde anda você. De um lado o fato feito, do outro o silêncio na mesa posta. Mas cadê a paz que eu pedia? Levaste contigo. Ficou a mesa com a toalha bagunçada, nem tão limpa.

sábado, 18 de agosto de 2012

Metá

Pois é, vou virar mendigo.

domingo, 12 de agosto de 2012

O novo no velho

O dia em que o nervoso aflora é o dia em que veio à luz o comichão que vive em minha barriga.

Azul azul

Domingo de vento, domingo de azul, sopra pra longe todo esse blue.

domingo, 10 de junho de 2012

Encontro e resposta

Solidão e comunhão se encontram num gesto - fechar-se sobre si. O solitário encontra em si sua comunhão - comunhão com seu passado, com seu tempo, consigo. Mas no mundo não há canto que fuja a regra da tensão.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

O labirinto

A solidão e a comunhão são os extremos, pólos de uma existência, de uma possibilidade de experiência que hoje não parecem poder ser levadas a sério. O homem moderno não goza de sua solidão, tampouco de uma comunhão (em algum sentido nos sentimos à vontade ao falarmos da solidão que sentimos em meio a multidão, sem percebermos que há profunda diferença entre esta solidão, individual, incomunicável, e a solidão comum - solidão que em algum sentido é comunhão sem sê-lo - mas ninguém terá a coragem e a falta de bom senso e enxergar comunhão no mundo de hoje). O labirinto da solidão está vazio, sem que saibamos para onde fomos. Mal toma consciência de si, repele com toda sua força e violência a imagem que vislumbra - sua pequenez lhe aterroriza, e o faz lembrar que seus sonhos de grandeza afirmam sua miséria. Narciso ao inverso, o homem de hoje. É todo desejo, mas a vontade lhe falta. Como disse alguém que já não me lembro, seu desejo é uma pergunta para a qual não há resposta. Menos que solidão - fez-se silêncio.

domingo, 8 de abril de 2012

Espelhos

Foi de tanto olhar para o movimento, vagaroso e eterno, que fazem as ondas do mar, para o vento que faz dançar diante de mim as folhas secas e para o céu, imensidão e vazio materializados, humor todo passageiro, que fiz da minha alma, dia depois de dia, ano depois de ano e sonho depois de sonho, espelho destes meus olhos, espelhos deste meu mundo.

quinta-feira, 22 de março de 2012

O que será

O que será que se dá? Conheci o amor, a paixão, conheci até mesmo a devoção. Mas isso faz tempo e eu hoje sou outro. Hoje vivo e sinto como quem amou muito e como quem não espera mais nada, como quem não quer mais nada (quase como se, de um golpe só, tivesse vertido todo saboroso conteúdo daquela ânfora de sonhos; como quem, com o vento que vem do mar trazendo alguma lembrança querida, sente mais prazer no vento do que na lembrança - sei que aquilo foi, sei daquilo que vivi, e sei aquilo que não vive mais em mim, e gozo todos os prazeres dessa ausência).
O que será que se dá? Hoje rio com um riso amargo dos amores sinceros, me fecho para os sorrisos e olhares que resvalam nessa substância incerta que tenho dentro de mim. Meu olhar é meu maior sentimento, sentimento cheio de ternura por tudo quanto toco, tudo quanto posso, tudo quanto quero, tudo quanto vejo. Meu maior sentimento é um amor que não mais tem objeto próprio, e as vezes duvido até mesmo que seja eu o sujeito amante. É o sentimento que carrego comigo todo o tempo, é essa minha ternura a mais sincera e mais bonita, é o que me faz alegre, é o que me faz triste, faz de mim como sou - sozinho.

quarta-feira, 21 de março de 2012

O que ia ser e foi diferente

Eu vim pra escrever o que eu pensei,
mas o que pensei virou ar e sumiu.
Sem saber bem o quê foi
vim e escrevi um vazio.

Mas se eu escrevi tá vazio?

segunda-feira, 5 de março de 2012

Viagem

o mês se fez fim, e do fim se fez volta.
viagens não duram para além da data de retorno. (tão logo o instante se faz passado ele não mais existe em nós, e só se faz acessível por uma experiência análoga, por uma constelação temporal cuja constituição pouco ou nada depende de nossa vontade).
pouco importa se aquele que parte e este que chega são os mesmos ou não: abandonar e retomar - desde que o homem se pretendeu digno do sobrenome sapiens a partida e o retorno são constantes para nos mostrar o que havia em nosso entorno durante os tempos anteriores à viagem.
eu fui, eu voltei.
conheci minhas vontades e encontrei minha quimera: a mesma que afugenta os homens desde os tempos imemoriais em que o movimento das ondas, os balanço das árvores ao vento e o passar das nuvens imprimiram em nós o gosto pelo passageiro - o tédio.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

inverno/verão

um pra cá, um pra lá.
ali fará dez, aqui serão trinta.
fevereiro chega logo e tudo se faz mais solto.
sem medo de mim você se faz (com medo de si, sei lá)
sem medo de ti, eu me faço (com medo de mim, isso sim)

promessas no poente

Oras, as promessas do tempo são as mais esperadas, e as que menos se entende. Quando se esperam dois vem um, quando queremos ficar fomos, quando olhamos ainda não mudou, quando mudou não entendemos. Talvez o senhor maior de todas as mudanças que se dão entre nós não seja esse solitário senhor, dono de uma inexorável vontade vacilante, o Tempo. Talvez seja essa dama que sempre nos acompanha, discreta, muito mais certeira do que seu companheiro de todas as horas, esse de quem acabamos de falar; talvez seja essa Ausência a grande força que nos leva ao novo.
Mas o novo nunca se livra desses companheiros de braços fortes, que nos agarram quando saímos da barriga de nossas mães e só nos deixam em paz quando tudo se faz Tempo, quando tudo se torna Ausência.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

persona e prato sujo

me coloco entre dois espelhos e nenhum reflete como imagem o modelo original.
é que faz parte da refração do convívio e das mazelas do existir fora de si.
mas isso não é problema.
o problema é quando esses espelhos ficam frente a frente e suas imagens não batem.
eu não sou para um o que eu sou para outro, e deus me livre desses encontros embaraçosos que só tem como efeito a anulação do modelo, e o silêncio das imagens.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

um bom momento

o momento hoje é o do terceiro sinal.
depois disso as luzes se apagam,
nós ouvimos o lá sempre lá do spalla.
e ainda assistiremos ao prelúdio.
depois disso a constelação se faz mais clara
e o incêndio, inevitável.