quarta-feira, 12 de novembro de 2014

óbitos (exercício escrito)

I.

Há mortes que preparamos desde muito antes de um último suspiro, mortes que começam sem que sequer percebamos e das quais só tomamos consciência quando recebemos, indiferentes e até um pouco surpresos, a notícia do falecimento de quem há muito já havíamos esquecido. E enquanto não recebemos a notícia que antecipadamente já nos demos a nós mesmos a menção em conversas casuais acerca daquilo que disse ou fez um desses nossos mortos causa estranheza e, de acordo com o coveiro, algum remorso. Remorso este que não vem senão da simples constatação de uma decisão tomada tacitamente nalgum momento do passado e cujas implicações nem imagináramos ou, muito próximo disso, negligenciáramos de maneira mais ou menos deliberada. Não há ainda nisto - e nem poderia haver - uma sentença moral. Afinal, ao agirmos de tal maneira não fazemos outra coisa senão aplicar ao nosso coração e às nossas afeições uma regra que desde cedo aprendêramos: minimizar eventuais sofrimentos pela diminuição do tempo que nos separa deles. Muitas vezes, assim, o suicida opta por entornar o copo de veneno o quanto antes.

terça-feira, 11 de novembro de 2014

the darkest hour is just before dawn

No momento mais escuro da noite, no qual tudo aquilo que veio antes parece ser apenas um imenso breu imemorial recobrindo tudo, duas possibilidades - igualmente incertas - se nos oferecem: pensar na aurora que nossos olhos, transbordantes de água do mar e de expectação, acreditam já poder vislumbrar no horizonte ou, o mais difícil mas também o mais certeiro no meio da noite ventosa, lembrar do que viera antes do cairo do sol. Lembrar que a noite também tem sua memória, e o dia, seu esquecimento.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Uma harmonia que se dissolve na profusão de cromatismos oscilantes. Humor delicado e, sobretudo, evanescente.
Disse a raposa à pantera que se gabava da beleza de suas cores: "E eu, então, que carrego tal colorido, não no corpo, mas na alma".
Evanescente, sobretudo.