domingo, 24 de outubro de 2010

tempos de festa

muito menos do que reflexão e posicionamento quanto ao que o indivíduo acredita ou pensa, o que vejo (a primeira pessoa aqui é fundamental por dois grandes motivos: o primeiro deles é grande só pra mim e não vem ao caso; o segundo é o óbvio: quem vê dessa forma sou eu) é a ação coletiva-não-contestatária de uma forma institucional da política pouco questionada. o ódio por um enaltece a imagem de um outro que se constrói sobre um passado comum a tantos e que hoje pouco mais é do que um reflexo torto (pra esquerda, pra direita) daquele sobre qual, pelo santíssimo departamento de publicidade e negação, também se constrói. a santíssima igreja do Estado clama pelo voto, através do qual você, meu queridíssimo próximo, se expressa. e cada vez mais, pacientíssimo, você se torna um reflexo desforme, as vezes a esquerda as vezes a direita de um elemento comum que já nem é mais capaz de reconhecer.
em um jogo no qual um se define pela negação do outro, mas mantendo uma mesma referência (zelai por nós, Santíssimo) a mudança é quantitativa, não qualitativa. ainda prefiro o arrombamento às cifras.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Telhado dos pássaros mortos

antes, um coberto de vermes; hoje aquele secou, e este sonha em ir embora, olhando pra cima.
como já disse uma vez o enfermo francês, com o peito corroido pelas noites nos salões esfumaçados e pela saudade d'um tempo morto, é "(...) dessas horas de exceção em que se suspira por qualquer coisa diferente do que existe, e em que aquêles a quem a falta de energia ou de imaginação impede de tirar de si mesmos um princípio de renovamento, pedem ao minuto que vem, ao carteiro que bate, que lhes traga algo novo, ainda que seja o pior, uma emoção, uma dor; em que a sensibilidade, que a felicidade fêz calar como uma harpa ociosa, quer ressoar sob uma mão, ainda que brutal, ainda que lhe rebente as cordas; em que a vontade, que tão dificilmente conquistou o direito de entregar-se sem obstáculos a seus desejos, a suas penas, deseja entregar as rédeas às mãos de acontecimentos imperiosos, por cruéis que sejam."

terça-feira, 12 de outubro de 2010

cidades paralelas

o centro cresceu, floresceu e morreu. hoje, sem meias palavras só restam fachadas que escondem os escombros d'um passado que, diz minha avó, já foi dourado e com cheiro de café. hoje o coração daquela cidade fede a fertilizante e água podre.
mas o mais difícil de não reparar é como aquele miolo em ruínas continua de pé, sustentato por pessoas que moram nos arredores, nos subúrbios; é como o coração da cidade, estagnado, é mantido falsamente vivo. a cidade parece crescer sobre uma morte anunciada: por mais que se derrame entre mar e serra, por mais que aumente, sustenta em seu antigo centro a própria ruína. a cidade canta uma ode a um passado agora sem significado.

rascunho sem número

é piada do Tempo me perder em palavras (que em verdade nem chego a conhecer) que falaria pra pessoas de que me resta pouco mais que um fio delgado de podia-ter-sido.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

engano

Pulsa um amor por um mundo latente, por uma memória não vivida, por um presente potencial e sem forma. Mas pulsa.
E vejo que é Eros quem bate no meu peito.

sábado, 2 de outubro de 2010

espetáculo a meia-luz

Naquele espetáculo em que falávamos banalidades e pareciamos nulos não havia espaço para a apatia. Mas se vista pelo menos daquele canto nem mais claro nem mais escuro, veria-se que se entre nós a apatia era parte de uma negação sempre forte, nesse mundo dentro de cada um, se não soberana, ela fazia parte dessa solidão, condição básica pra que se possa existir, tão pianissima.