quarta-feira, 28 de maio de 2014

Pequena história noturna

Uma noite, antes de adormecer, contei a mim mesmo uma história:
Nessa história eu crescia, aprendia a olhar pra tudo no mundo de um jeito novo, de um jeito grande, percebendo coisas que só podem ser percebidas por aqueles que sabem olhar. Crescer foi aguçar o olhar: as nuvens no céu, a luz que perpassa as folhas da bananeira, o ar gelado nas bochechas da gente, a grande beleza e inutilidade de tudo... Crescer foi me encantar e me desencantar, a um só tempo.
Nessa história de gente grande houve pouco espaço pra dúvida, houve pouco espaço pro medo - e talvez tenha sido por isso que houve pouco espaço para o amor.
Até que ele veio. Veio em parte porque eu quis, porque eu deixei. (Nisso ainda reside a afirmação: "sou grande!") Mas esse amor fez sua própria história dentro de minha pequena história noturna. As grandes belezas não eram (não podiam ser!) mais inúteis - muito menos esses os seus olhos de amêndoa e essa pintinha do seu rosto...
Mas o amor não é substância pura (ao menos para mim nunca fora, e nisso jamais soube crescer): é feito também de medo, ciume e outros ingredientes secretos. Talvez até mesmo um bocado de auto-depreciação. Nisso jamais soube crescer...
Por vezes penso ter sido inútil a silenciosa convicção da inutilidade das coisas, proferida tão serenamente por mim, quando fui grande, ou quase grande... Penso que sou ainda tão pequeno que a única resignação que me cabe é ao conflito: todo o resto deve ser obstinação.
Antes do fim dessa história adormeço. Com alguma saudade de uma pretensa maioridade (que ainda reluto em dizer foi passageira) e com medo - companheiro não só do amor, mas também de qualquer sono que se preze.

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