quarta-feira, 12 de novembro de 2014

óbitos (exercício escrito)

I.

Há mortes que preparamos desde muito antes de um último suspiro, mortes que começam sem que sequer percebamos e das quais só tomamos consciência quando recebemos, indiferentes e até um pouco surpresos, a notícia do falecimento de quem há muito já havíamos esquecido. E enquanto não recebemos a notícia que antecipadamente já nos demos a nós mesmos a menção em conversas casuais acerca daquilo que disse ou fez um desses nossos mortos causa estranheza e, de acordo com o coveiro, algum remorso. Remorso este que não vem senão da simples constatação de uma decisão tomada tacitamente nalgum momento do passado e cujas implicações nem imagináramos ou, muito próximo disso, negligenciáramos de maneira mais ou menos deliberada. Não há ainda nisto - e nem poderia haver - uma sentença moral. Afinal, ao agirmos de tal maneira não fazemos outra coisa senão aplicar ao nosso coração e às nossas afeições uma regra que desde cedo aprendêramos: minimizar eventuais sofrimentos pela diminuição do tempo que nos separa deles. Muitas vezes, assim, o suicida opta por entornar o copo de veneno o quanto antes.

Nenhum comentário:

Postar um comentário